RESENHA: RPPN S.A. - UMA ESTRATÉGIA LIBERAL PARADOXAL, por Marcio Carvalho

 
RESENHA: RPPN S.A. - UMA ESTRATÉGIA LIBERAL PARADOXAL (1)
Márcio de Souza Carvalho (2)
O texto trata da possibilidade e viabilidade de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) S.A. analisando a importância das RPPNs em uma estratégia global de preservação, aos métodos de compensação econômica e ao desenvolvimento humano e a pertinência de uma S.A. como parte de uma estratégia liberal paradoxal.
Conforme o autor a disposição constitucional de criação de espaços territoriais especialmente protegidos, visando garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF/88, art. 225, II), propiciou a criação, através da Lei 9.985/00, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, entendendo ser “um texto normativo com alguns avanços tímidos e muitos tropeços conceituais”. Afirma, com acerto, que o SNUC simboliza o confronto de ideários políticos e econômicos. Em seguida apresenta os dois grupos de Unidades de Conservação, principal estratégia administrativa de preservação ambiental no Brasil, quais sejam, as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável (art.7º, II), de âmbito federal, estadual e municipal. Ressalta que a RPPN, umas das espécies de unidades de conservação (art. 8º e 14), ao contrário das demais, não se sujeita a gestão pública, que para ele tem práticas pouco satisfatórias (o que é verdade!), em razão da falta de pessoal, ausência de verbas públicas, corrupção de funcionários, etc., pois o poder público não exerce fiscalização adequada por falta de interesse político. Diante da letargia do Estado na manutenção do patrimônio ambiental torna-se pertinente sua substituição pela iniciativa privada.
Nas RPPNs o próprio particular, de índole preservacionista, existindo interesse público, grava com perpetuidade o patrimônio ambiental relevante existente em sua propriedade objetivando conservar a diversidade biológica, só podendo, a partir de então, exercer atividade de pesquisa científica ou de visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (SNUC, art. 21). Pondera logicamente que a perpetuidade, também prevista no Código Florestal (art. 6º), constitui uma defesa contra o descumprimento da função sócio-ambiental não pelo proprietário, mas por seus herdeiros. Fala sobre o conflito entre as reservas e os pressupostos do desenvolvimento sustentável, pois, na prática, são geradas terras devolutas com status especial de inalienabilidade do patrimônio ambiental contrastando com a realidade social da falta de acesso a terra pela maioria da população, pois, realmente o homem necessita de manter-se e não somente da conservação da natureza. Acredito que, em vista da transversalidade do Direito Ambiental, o direito ao patrimônio ambiental ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo (CF/88, art. 225) deve ser harmonizado com o direito à propriedade. Qualifica a RPPN como importante instrumento de gestão ambiental alternativa para se evoluir do estado de “estadania” para cidadania de fato, pois a estrutura democrática funda-se também na própria iniciativa individual e coletiva na propositura de ações e intervenções concretas, diretamente ou em parceria com o poder público. Assim como o autor, apesar dos limites impostos, entendo que não há servidão administrativa, pois é criada pela índole preservacionista do proprietário.
No tocante aos métodos de compensação econômica aponta a valoração do meio ambiente como grande obstáculo, sendo utilizado como critério valorativo por excelência em muitas análises o Método de Avaliação Contingente (CVM) que se baseia na existência do recurso natural e sua preservação, objetivando descobrir quanto o cidadão estaria disposto a pagar pela preservação ambiental, inviabilizando-se isso no Brasil em função da situação de renda per capita. Porém, no Direito Internacional Público esse método pode possibilitar aferir uma espécie de compensação internacional, em que o poluidor do primeiro mundo venha a financiar ações conservacionistas em outro país. Exemplifica no Brasil a iniciativa do ICMS ecológico, apoiada por WILSON LOUREIRO, e uma forma de valoração econômica da biodiversidade estudada por MATTOS e FERRETI FILHO em que se busca a incorporação da destruição no preço dos produtos. Toma esse desenvolvimento como um desenvolvimento humano, focado na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Quanto à garantia de isenção do ITR e apoio técnico do IBAMA, o desafio é tornar isso uma política ambiental intensificando estratégias de uso da terra que compartilhem a sustentabilidade de recursos vitais.
É impactante a estatística que a mata atlântica original do Rio de Janeiro reduziu a menos de 20%, um dos maiores índices de desmatamento, e que a maior parte das áreas de florestas está nas mãos de particulares, tornando-as vulneráveis. Para o autor, na prática, não há por parte dos órgãos públicos regionais políticas ou instrumentos jurídicos específicos adicionais aos mecanismos federais de modo a transformar as iniciativas em estratégias públicas voltadas para atenuar o processo de empobrecimento biológico e promover a conservação dos ecossistemas nessas propriedades. A verdade é que no Brasil faltam políticas públicas. Destaca também o interesse que várias ONGs têm despertado no incentivo a essas reservas nos últimos anos, em especial a Associação do Patrimônio Natural (APN) que busca garantir incentivos aos proprietários já existentes, com algumas vantagens para o produtor rural, a exemplo do cinturão de mata (parte da propriedade gravada com perpetuidade) que serve como proteção contra invasões de sem-terras ou de desafetos por questões limítrofes, funcionando o IBAMA como uma espécie de capataz.
Para o autor a RPPN S.A. constitui uma grande alteração conceitual da propriedade privada, considerando esta proposta de política ambiental como uma “espécie de adaptação de utopias românticas à dinâmica do liberalismo econômico”. Para ele é um projeto que requer grandes investimentos necessitando do aporte de empresas como o Banco do Brasil S.A. como acionista majoritário, pois este poderia divulgar o produto nacionalmente e transformar as terras tomadas de devedores em reservas (as que se prestarem a este fim), o que entendo bastante salutar. Nessa concepção indica a criação de mecanismos como a delimitação da participação societária do Estado, a avaliação do IDH do entorno das reservas, a diversificação e multiplicação social dos acionistas e a participação acionária de trabalhadores das reservas. Chama atenção quanto à necessidade de ação preservacionista com investimento em ecoturismo e educação ambiental, criando centros de visitações e parcerias com comunidades científicas, o que, como bem coloca o autor, através da criação de redes hoteleiras ou escolas agrícolas e ecológicas poderia representar uma “nova fonte de lucros”.
O autor discorda da inserção das RPPNs no grupo das unidades de uso sustentável, pois entende que há grande limitação de uso, configurando-se na prática numa unidade de proteção integral. Aborda sobre o espaço privilegiado dessas reservas no âmbito econômico, como o maior acesso a projetos do Banco Mundial para seu aperfeiçoamento, a preferência junto ao FNMA e o ICMS Ecológico. Dessa forma a RPPN S.A. representa verdadeiro “fundo verde” de aplicação, fruto da constante valorização do ambiente ecologicamente equilibrado, e ampliação do leque de apoio político e econômico. É de concordar com o autor, pois é realmente paradoxal valer-se da própria dinâmica do capital para incentivar um investimento em conservação ambiental, representa como denominam BOLTANSKI e CHIAPELLO o “novo espírito do capitalismo”. É o empreendedorismo criativo do capitalismo moderno, o patrocínio de um novo ideário liberal.