RESENHA; CÓDIGO FLORESTAL, por Camila Santana

 
    
Resenha Crítica
Código Florestal
 
 
 
 
O artigo analisado para o tema trata da competência municipal para delimitação de Àreas de Preservação Permanente  (APP's) em áreas urbanas e é da autoria da pesquisadora Lucíola Maria de Aquino Cabral. O artigo tem como objeto normativo o dispositivo contido no parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 4.771/65, que delegava aos municípios, através de seus planos diretores, a competência para delimitar áreas de preservação compreendidas dentro do perímetro urbano.
 
O debate gira em torno da competência dos entes federados para legislar sobre matéria ambiental. No texto, a autora defende posicionamento no sentido de que é necessário que se fortaleça a capacidade e competência para gestão ambiental das instâncias municipais. A autora invoca, primeiramente, o conteúdo jurídico-político do art. 1º da CF, qual seja, a descentralização do poder do Estado com a distribuição de competências entre os entes federados. È invocado também o princípio da subsidiariedade, preconizador de que é “ é injusto e ilícito adjudicar a uma sociedade maior o que é ainda capaz de fazer com eficácia uma sociedade menor”. Busca-se responder um questionamento: poderia a legislação municipal estabelecer limites distintos daqueles já fixados pelos código florestal?
 
Consta na Constituição Federal, em seu art. 30 que compete aos municípios legislar sobre assunto de interesse local.  No que se entende doutrinariamente por “interesse local” , destaca-se o planejamento urbano municipal, através da elaboração de um plano diretor. A implementação desse planejamento urbano não envolve apenas questões urbanísticas, mas também aspectos ambientais que deverão ser observados na organização da cidade. No texto,  a autora alude:
 
Os municípios são as unidades políticas que se encontram mais imediatamente em contato com as necessidade da população em termos de de serviços públicos como habitação, saúde, educação, saneamento, transporte, assistência á pobreza e meio ambiente (...) a política urbana deverá compor interesses diversos para assegurar um meio ambiente digno à vida. (...) Dentro dessa perspectiva é que se sustenta a possibilidade de os municípios brasileiros  exercitarem sua competência legislativa em matéria ambiental, com base na aplicabilidade dos princípios constitucionais do federalismo, da autonomia dos municípios, da subisidiariedade. (p. 12)
 
È acertado o entendimento da autora sobre a necessidade de investir o município da capacidade de legislar sobre temática ambiental para além das normas gerais fixadas em nível nacional e estadual. Nosso país tem dimensões continentais, e conseqüentemente, circunstâncias locais ambientais e sociais muito diversas de parte à parte. Uma medida protetiva eficaz e conveniente numa determinada região do país pode não ser a mais adequada para uma região distinta, com outro bioma, outro grau de degradação de recursos e outra economia. Também é notória a importância do município enquanto agente fiscalizador e sancionador de agentes que transgridam os limites das normas para o meio ambiente. Aqui entra a importância da instância municipal que, entendendo a realidade de sua região e em direito contato com os cidadãos, tenha o poder de implementar e fazer valer a política pública mais adequada a esta realidade, bem como proteger os recursos naturais locais da melhor maneira possível.  Analisemos um caso prático.
 
No ano de 2000, a empresa Dow Agrosciences Industrial Ltda.  impetrou mandado de segurança contra o Município de Marilândia do Sul/RS em virtude da Lei municipal n.º 22/97, a qual restringia a utilização de um agrotóxico nocivo produzido pela empresa. A empresa alegou a inconstitucionalidade da Lei, argumentando que não competia ao município legislar sobre matéria ambiental.  O pedido foi julgado improcedente pelo Juiz José Ricardo Alvarez Vianna. Na fundamentação da decisão, o juiz fez referência a cultura de cenouras e hortaliças, pela qual a cidade de Marilândia do Sul recebia a alcunha de “capital da cenoura”. O herbicida restringido, sabia-se através de estudos, prejudicava a cultura dos vegetais chamados dicotiledôneos, os quais se incluem no rol as cenouras e outras hortaliças cultivadas em Marilândia do Sul. A produção de cenouras é assunto de interesse local, o que legitimou a norma municipal, ainda que o Herbicida em questão fosse registrado e permitida a utilização em âmbito nacional.
 
A Lei 4.771/1965  foi revogada no ano de 2012 para dar lugar á Lei 12.651, o novo código florestal. Além de vários retrocessos ambientais (diminuição da área mínima das APP's; a inclusão das APP's dentro das áreas de Reserva Legal;  brechas para escapar de reflorestamento; etc.), o novo texto não há qualquer diferenciação entre  zona rural e  zona urbana, diferentemente  do texto anterior, o qual mandava que se observasse as leis de uso do solo  e planos diretores dos municípios para delimitação de APP's. O silêncio da lei constitui evidentemente mais uma manobra dos setores políticos economicamente interessados na frouxa regulação ambiental para a realização de seus objetivos nas áreas urbanas. Conforme versa Ivon Pires:
 
 No ambiente urbano, o código não prevê o que fazer com as áreas ocupadas dentro do limite dessas APPs. Imagine o que pode ocorrer em uma cidade como Recife, cortada por rios e canais, sendo que o código diz que essas áreas devem ser recuperadas, mas não indica como. O que será feito? Vai haver um recuo? Vão acontecer demolições? Essa questão não está esclarecida. (...) A lei deveria traçar normas gerais, mas não chegar ao ponto delimitar restrições grandes como no caso das APPs. O Estatuto da Cidade diz claramente que quem define as regras que se aplicam nas cidades é o município, é nessa instância que se faz o Plano Diretor, a Lei de Uso do Solo. O Código Florestal deve estar harmonizado com isso.
 
Faz-se necessária a descentralização de poderes e competências e o protagonismo das instâncias locais no planejamento e implementação de políticas públicas que tenham como objetivo construir um horizonte de desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Não são as distantes multinacionais nem os grandes latifundiários que sofrem as conseqüências de um rio poluído por dejetos industriais, um mar sem peixes,  uma terra degradada e doente. São os cidadãos locais, o povo, os trabalhadores que se relacionam com a natureza diretamente e dela tiram o sustento. E todos os outros também dependem dela, pois ainda não existem seres humanos que não prescindam de comida, água, bens materiais e emocionais, ou seja, que não precisem se relacionar com a natureza para viver.
 
Os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, bem como as organizações civis públicas e privadas, os trabalhadores e trabalhadoras tem como desafio implementar um modelo de desenvolvimento no qual possamos nos relacionar de maneira harmônica com a natureza, preservando os recursos, adotando novos modelos de produção e limpando a sujeira que fizemos até então. O direito ambiental deverá cumprir um papel crucial nos próximos períodos: garantir o que for conquistado para recuperar e preservar o ambiente e conseqüentemente garantir um mundo  sadio para as próximas gerações.
 
 
Facilitadora: Camila Antero de Santana
 
 
 
 
 
Referências
 
 
CABRAL, Lucíola Maria de Aquino. Competência Municipal para delimitar área de preservação permanente em área urbana. Curitiba, 2008. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/145.pdf
Lei municipal contra agrotóxicos: constitucionalidade. Disponível em:
http://jus.com.br/revista/texto/16502/lei-municipal-contra-agrotoxicos-constitucionalidade
Lei. 4.771 de 15 de setembro de 1965. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4771.htm
Lei 12.651 de 25 de maio de 2012. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm
Entrevista com Ivon Pires. Disponível em:
http://www.amcham.com.br/regionais/amcham-recife/noticias/2012/grande-im...