RESENHA CRÍTICA:“O PAPEL DA SOBERANIA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS”, por Gabriela Chaves

 
RESENHA CRÍTICA DO TEXTO “O PAPEL DA SOBERANIA NA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS” DE PATRÍCIA BIANCHI
 
Patrícia Nunes Lima Bianchi, doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, em seu artigo “O Papel da Soberania na Gestão de Recursos Hídricos Transfronteiriços”, publicado na revista do Instituto de Direito Brasileiro n.4, de 2012, faz uma breve análise do gerenciamento dos recursos hídricos transnacionais, com base em critérios relativos à soberania das nações e à sustentabilidade ecológica, bem como dos mecanismos disponíveis no Direito Internacional para a solução de problemas relacionados aos danos ambientais transnacionais.
Da leitura atenta do texto, é possível traçar uma relação indissociável entre a soberania dos Estados, a importância dos recursos hídricos transfronteiriços e as dificuldades enfrentadas pelo Direito Internacional, quanto às questões relativas ao meio ambiente.
A respeito da essencialidade dos recursos hídricos, não há novidade alguma, tendo em vista que é do conhecimento de todos que a água não é uma fonte inesgotável e que vivemos uma crise hídrica mundial, vez que o consumo da água cresce mais que o aumento da população e que o mundo sofre com a poluição das fontes hídricas, de modo que estas se tornam cada vez mais escassas. Não obstante, a autora destaca ainda os interesses econômicos que envolvem a mercantilização e distribuição da água, fazendo nascer a chamada “indústria da água”.
Considerando que os recursos hídricos (rios lagoas, aquíferos) são caracterizados pela sua limitação no meio natural, que, muitas vezes abrangem mais de um Estado, e, por isso, são chamados de transfronteiriços, é óbvio que um dano ambiental não se manterá em um espaço territorialmente demarcado, tornando necessária a cooperação entre as nações na tentativa de preservar esses recursos ambientais, vitais e esgotáveis.
Neste cenário, surge a importância do Direito Internacional Ambiental, como meio de regular os conflitos ambientais internacionais. Ocorre que, o Direito Internacional perde força quando se fala da soberania dos Estados, isto porque este direito carece de força cogente para que os acordos internacionais tenham consequências relevantes ou ensejem uma real responsabilização dos agentes poluidores.
Malgrado, hoje, se pretenda uma efetiva cooperação internacional, voltada para uma utilização equitativa das águas transfronteiriças, Bianchi destaca que tal cooperação “é frequentemente frustrada pelo fato de que a atuação dos Estados soberanos encontra-se marcada pelo interesse nacional, a despeito da indivisibilidade da qualidade ambiental, e da grande probabilidade que o dano ambiental se torne de caráter global” (RIDB, Ano 1, 2012, nº 4, fl. 1900). Neste diapasão, percebe-se que a soberania ainda é o grande princípio do Direito Internacional levantado pelos países, para poderem utilizar os recursos hídricos existentes no seu limite territorial da maneira que melhor lhes convir, mesmo que possam causar um dano ambiental em outra nação.
A título ilustrativo, um dos grandes exemplos trazidos pela autora é o Tratado de Cooperação Amazônica que o Brasil faz parte juntamente com a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, o qual dispõe, em seu artigo IV, que “o uso e aproveitamento exclusivo dos recursos naturais em seus respectivos territórios é direito inerente à soberania do Estado e seu exercício não terá outras restrições senão as que resultem do Direito Internacional”.
Ora, apesar de limitar o uso e aproveitamento dos recursos naturais às restrições advindas do Direito Internacional, como já referido, este é destituído de força cogente, abrindo espaço para que as nações sempre utilizem a desculpa da sua soberania para decidir o melhor uso a ser feito.
Nessa toada, a autora traz como um dos mecanismos necessários para a solução de problemas relacionados aos danos ambientais transnacionais a flexibilização do conceito tradicional de soberania, trazendo-o para o sentido de gestão com consciência e ética, a partir do desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade com relação ao que se constrói, e com o que se propõe construir, ponderando-se os custos e benefícios envolvidos.
Não obstante, Bianchi sustenta que para a pretensa consecução de um gerenciamento ecologicamente sustentável dos recursos hídricos, mister se faz conceber os grandes projetos desenvolvimentistas com maior cautela, uma vez que tais empreendimentos envolvem grandes impactos sociais e ecológicos, sendo que estes últimos são, em sua maioria, irreversíveis.
 
Gabriella Álvares Chaves