RESENHA: DIPLOMACIA CULTURAL NO MERCOSUL, Larissa Andrade

 
Após 22 anos desde a assinatura do Tratado de Assunção (1991), a integração latino-americana ainda nos parece apenas um conceito incipiente pertencente ao plano das ideias, pouco tendo se avançado no sentido de uma real aproximação entre seus povos.  Não seria de se esperar realidade diversa, aliás, principalmente quando se sabe que o Mercosul, hoje integrado pelo Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, Venezuela, que figuram como membros plenos, direcionou-se, desde sua formação, ao estabelecimento de um mercado comum entre seus países. Outro não é o nome do bloco que não Mercado Comum do Sul, de maneira que fica explícita a centralidade do objetivo econômico. O fenômeno cultural, por sua vez, ficou relegado, quando muito, ao segundo plano, ocupando um papel coadjuvante na política externa desses países. Pouco ou nada se debate sobre o tema nas agendas de negociação realizadas pelo bloco, e ainda que se tenha introduzido formalmente essa pauta, no final dos anos 90, isso foi feito de maneira mais retórica do que prática.
O artigo traça um cenário da América Latina em que a cultura ainda é vista como algo de valor meramente simbólico, enquanto tenta mostrar, na contramão desse entendimento, o fenômeno cultural sob uma nova perspectiva – fala-se em diplomacia cultural, termo criado por Willy Brand, ministro dos Negócios Estrangeiros da República Federal da Alemanha, para quem a cultura é o terceiro pilar da política externa dos países, integrando-se à estratégia política e comercial. Através da divulgação dos diversos aspectos culturais de um país, essa espécie de diplomacia busca utilizar o capital cultural em benefício das relações externas.
Sob a perspectiva da diplomacia cultural, a projeção da cultura é a maneira mais eficaz de se construir uma imagem nacional sólida e positiva (uma verdadeira “marca” do país), sendo uma estratégia essencial na atração de atenção internacional sobre as potencialidades do país, o que resulta por proporcionar, indiretamente, mais ganhos do que as estratégias pragmáticas e econômicas tradicionais. Para autora, a diplomacia cultural, ao promover o intercâmbio de informações sobre as riquezas de cada nação, funciona, sobretudo, como um forte instrumento de aproximação das sociedades e facilitadora da integração regional, residindo precisamente nisso o seu papel fundamental para o avanço do Mercosul  em direção à formação de um bloco coeso. Com efeito, a ausência de uma integração cultural perpetua o preconceito e visões distorcidas entre os países do bloco, o que dificulta sobremaneira o desenvolvimento de relações de confiança e projetos de cooperação. A desconstrução desse cenário maculado pelo etnocentrismo e pela folclorização dos países, e consequente formação de um bloco integrado passa necessariamente pela promoção cultural desses países.
Segundo a autora, no entanto, enquanto na América Latina ainda predomina a diplomacia tradicional (chamada “diplomacia do silêncio”), de metas de curto alcance e cujo foco é a relação entre os governos, em países como a França, Inglaterra, Estados Unidos, Polônia e Espanha, desde o início do século XX, a diplomacia cultural vem se desenvolvendo, com a criação de instituições e projetos permanentes. O caso da Espanha é paradigmático por mostrar como, através da projeção de aspectos de uma cultura moderna, o país tem conseguido reconstruir sua imagem, até então maculada por estereótipos. No caso dos Estados Unidos, a cultura foi utilizada para que a atuação nos campos econômico e político não parecesse coercitiva. Tal estratégia se coaduna com a ideia de soft power, em que a diplomacia cultural é elemento essencial, distinguindo-se do hard power, em que o prestígio internacional é conseguido através do poder econômico ou da força das armas.
Na América Latina, o contato cultural estabelecido entre os países ainda é fruto de relações espontâneas, que partem de interesses e esforços individuais direcionados, por exemplo, ao turismo, ao cinema, à literatura. A difusão cultural internacional nesses países tem se dado, também, através dos “novos atores internacionais”, entre os quais estão os estudantes e professores universitários, artistas, ONGs, empresários, personagens interessados em expandir as trocas culturais.  Isso revela a predominância das relações privadas no campo da promoção cultural, estando estas iniciativas ao fundo de grandes projetos desenvolvidos, a exemplo da Rede Cultural do Mercosul, Rede Mercocidades, Bienal do Mercosul, Programa DocTV IberoAmérica. Estes programas, portanto, ocupam um espaço semivazio deixado à cultura. Não há, propriamente, uma política cultural externa, em que o Estado desponte, através da criação de organismos de propaganda intelectual, como o principal fomentador dessas atividades.
A divulgação política do patrimônio histórico-cultural dos países do Mercosul restringe-se, pois, a uma limitada atividade diplomática. A autora é direta em sua crítica quanto à formação cultural daqueles que serão futuros diplomatas e que, de maneira geral, apenas conhecem superficialmente as manifestações culturais de seus países, limitando-se aos aspectos mais populares – a exemplo do carnaval – e, com isso, deixam de lado a riqueza cultural de aspectos relativos à religiosidade, às diferenças regionais, ao sistema educacional, à economia e ciência.
A autora faz um apanhado das ações institucionais desenvolvidas no campo cultural do Mercosul. Em 1992, foi criada a Reunião Especializada em Cultura, que veio a ser substituída pela Reunião de Ministros e Responsáveis de Cultura em 1995. Só a partir desse momento o tema “Mercosul Cultural” passou a ser abordado; ainda assim, não foram implementadas ações que levassem a cabo os projetos apresentados. Nesse cenário, foi criado o Parcum (Parlamento Cultural do Mercosul), que buscou a harmonização normativa entre os países nas disposições atinentes à cultura, estabelecendo a livre circulação de bens e serviços culturais. Criou-se ainda o selo “Mercosul Cultural” e foi assinado o “Protocolo de Integração Cultural do Mercosul”, em que se reafirmou a necessidade de a integração ultrapassar o plano comercial. As ações realizadas até agora, no entanto, têm tido alcance limitado dado sua natureza genérica, inexistindo projetos permanentes para concretizar as várias propostas feitas.
A integração entre países tem invariavelmente uma dimensão cultural, e, nessa medida, a diplomacia cultural deve ser desenvolvida concretamente através de projetos governamentais de longo prazo. Só o reconhecimento dessa política cultural pelos Estados é capaz de criar para o Mercosul aquilo que lhe falta para que constitua, efetivamente, um bloco: uma identidade coletiva regional.
Texto: SOARES, Maria. A diplomacia cultural no MERCOSUL. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292008000100003...sci